Proponho um novo desafio em nossa disciplina. Já que estamos pensando o currículo como uma arena política, você deve produzir uma apresentação multimídia, a partir dos pressupostos dos estudos culturais, sobre o currículo que a Rede Globo de Televisão implementou na educação das crianças brasileiras, entre as décadas de 1980 e 1990, através dos programas estrelados por Maria da Graça Meneghel, a Xuxa.


No período entre 1986 e 1992, a maior educadora das crianças do Brasil foi uma senhorita chamada “Maria da Graça Meneghel. Este foi o período áureo de sucesso do programa infantil transmitido pela Rede Globo de Televisão, o Xou da Xuxa.

Ao longo da década de 1980 Maria da Graça Meneghel, a Xuxa, tornou-se um ícone cultural não somente no Brasil, mas, em toda a América Latina. E como tal, sua influência sobre a construção da subjetividade das crianças foi muito grande. Além de difundir valores ligados a um ideal de feminilidade e beleza branca sua atuação era um forte incentivo ao consumo de produtos licenciados com o seu nome. Na realidade, a maior crítica que os intelectuais da época faziam ao programa infantil Xou da Xuxa era exatamente a “educação para o consumo”.

No entanto, para entendermos o fenômeno Xuxa precisamos enquadrar esta análise numa perspectiva mais ampla. Na explicação de Vasconcellos (1998, p. 20): “As duas principais vítimas da indústria cultural televisiva são a mulher e a criança, que já foram o suporte transmissor da cultura popular ou do folclore: a narrativa da mulher para a criança. Então, o programa de auditório é o modelo pedagógico antiescola e refratário à mãe.”

O interessante é observar que enquanto o país assistia o esforço do Governo Brizola (1983 a 1987 e 1991 a 1994) no Rio de Janeiro de implantar os CIEPS (Centro Integrado de Educação Pública), uma experiência de educação em tempo integral para as crianças pobres, onde elas teriam além de educação, alimentos, esportes, assistência médica e atividades culturais, o cotidiano das crianças era bombardeado com a imagem onipresente da Xuxa e seu apêlo ao consumo e à erotização infantil. Assim, a pergunta de Vasconcellos (1998) é muito pertinente: Que professora primária seria capaz de competir com a Xuxa? Portanto, o programa da Xuxa representou, na época, a anti-escola por excelência.

Não é à toa que alguns têm reconhecido nos meios de comunicação de massas a principal instância de formação do povo brasileiro nas duas últimas décadas. Neves (2000, p. 24) afirma algo semelhante: “O alcance da mídia na formação de opinião no Brasil de hoje consagra-a, sem exageros, como principal educador da sociedade brasileira dos anos de 1990.”

A PEDAGOGIA DAS MÍDIAS

Enquanto os pedagogos e professores se debatem para definir a melhor pedagogia a ser utilizada em sala de aula a indústria do entretenimento adotou uma pedagogia infalível, contra a qual fica difícil erguer argumentos: é a pedagogia do prazer, que se baseia na técnica de satisfação dos desejos. Assim, o poder de empresas como a Time Warner Inc, a The Walt Disney Company, e tantas outras grandes corporações de mídia e entretenimento, advém da capacidade de produzir prazer e associá-lo ao consumo.

Esta pedagogia do prazer, fundamentada na satisfação do desejo, atinge seus efeitos mais profundos exatamente quando transmite mensagens de forma inadvertida, inconsciente, para os espectadores. Como é então que as mídias agem para fazer com que os indivíduos aceitem suas mensagens sem reflexão crítica? Explorando a emotividade. Isto porque “incidir sobre as emoções dos demais permitirá burlar facilmente sua racionalidade.” Ferrés (1998, p. 23). Enquanto os professores, sempre apelando para a razão, são obrigados a se defrontarem com a oposição crítica dos estudantes, as mídias esbanjam seu poderio apelando para a emoção, trabalhando no nível do inconsciente.

O resultado desta pedagogia é o condicionamento da liberdade das pessoas. Na realidade, “quem domina as imagens domina a pessoa, porque controla suas imagens mentais mediante um jogo de associações e transferências.” Ferrés (1998, p. 43).

Enquanto a escola opera através do argumento lógico, utilizando a argumentação, as mídias trabalham por meio da via emotiva, que lança mão do pensamento associativo, da transferência. Dessa forma, consegue seduzir, atrair pelo fascínio. É por isso que suas mensagens assumem o formato dos contos, dos relatos. Nos contos e relatos as ideologias estão mascaradas, camufladas. As intenções estão ocultas. Por isso Ferrés (1998, pp. 63,64) nos adverte: “Na realidade, todo tipo de ficção tem uma ideologia implícita. A ficção pode ser muito mais importante do que a não ficção quande se trata de plasmar as opiniões das pessoas.”

De certa forma fica difícil negar que a evolução técnica trouxe um aumento do potencial cognitivo das pessoas e da própria sensibilidade perceptiva. Mas, não nos parece que isto signifique a capacidade de enxergar por trás do pano do espetáculo midiático. Digo isto porque efetivamente “não há nada transparente sobre programas de TV ou filmes infantis, mas mensagens vêm sendo enviadas às nossas crianças com a intenção de trazer à tona pontos de vista particulares e ações que são o maior interesse daqueles que os produzem.” Kincholoe (2004, p. 24).

A realidade é que a cultura infantil está sendo produzida por corporações com interesses comerciais e que esboçam uma ideologia cujos pressupostos nunca são explicitados e que adquiriram um poder tremendo de determinar a vida privada das crianças. Ora, além do desenvolvimento de um tipo de inteligência nas crianças, esta nova cultura infantil também contribuiu para quebrar a autoridade dos adultos sobre as crianças.

Kincheloe (2004, p. 34) assim descreve esta nova realidade: “... Os adultos perderam a autoridade que tinham antes por saberem coisas que as crianças, propositalmente protegidas, não sabiam. A informação adulta é incontrolável; agora, a criança vê o mundo como ele é (ou pelo menos como é descrito pelos produtores de informação corporativos). Para arrematar, Kincheloe (2004, p. 34) afirma: “Esta mudança no acesso das crianças ao conhecimento adulto sobre o mundo e a mudança que produz na natureza da infância têm minado as bases conceituais/gerenciais sobre as quais o ensino foi organizado.”

Perceba como no início do terceiro milênio, de uma certa forma, estamos voltando para uma estruturação da infância e da educação tal qual existia antes da invenção da escolarização moderna. Algumas características pré-modernas estão voltando sob o impacto das mídias eletrônicas: o mundo separado da infância está sendo destruído exatamente porque o código cultural dos adultos novamente voltou a ser decifrado pelas crianças e a escola está sendo pressionada a rever todo o seu aparato pedagógico justamente no sentido do aprender-fazendo que caracterizava a educação nos moldes tradicionais.

REFERÊNCIAS

Cultura Infantil: a construção corporativa da infância / Shirley R. Steinberg, Joe Kincheloe (organizadores); tradução George Eduardo Japiassú Bricio. – 2ª ed. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.

FERRÉS, Joan. Televisão Subliminar: Socializando através de comunicações despercebidas. Porto Alegre: Artmed, 1998.

JOHNSON, Steven. Surpreendente: A Televisão e o VideoGame nos Tornam mais Inteligentes.Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.

NEVES, Lúcia Maria Wanderley. (Org.) Educação e Política no Limiar do Século XX / Campinas, SP: Autores Associados, 2000.

SILVA, Marcos. Estrutura Religiosa das Mìdias. Fragmentos de Cultura (Goiânia), v. v. 16,, p. 979-989, 2006.

SIMPSON, Amelia. Xuxa: The Mega-Marketing of Gender, Race, and Modernity. Philadelphia: Temple University Press, 1993.

VASCONCELLOS, Gilberto Felisberto. O Cabaré das Crianças. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1998.



ATENÇÃO: Texto de Autoria do Prof. Dr. Marcos Silva.

FONTE: SILVA, Marcos. História da Educação Brasileira. São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, CESAD, 2009.



 

 


ORIENTAÇÕES

1. O desafio se destina a uma produção individual.

2. Deve ser feita uma pesquisa bibliográfica de fundamentação teórica sobre os Estudos Culturais e de aprofundamento do tema. (Ver as referências do texto ao lado). Existem textos acadêmicos sobre o fenômeno Xuxa disponíveis na própria Internet.

3. “Um exemplo de documento multimídia real pode ser a apresentação dos pontos turísticos de uma cidade, constituído de textos, imagens e vídeos de cada ponto turístico, apresentados em uma ordem seqüencial e possivelmente com alguns mecanismos de interação.” Maiores informações sobre multimídia
consultar a fonte desse exemplo:
http://joaopizani.hopto.org/graduacao/disciplinas
/ine5431/capitulos/4_apostila.pdf

4. Ao coletar imagens, textos, etc. na Internet, atentar para não ferir direitos autorais.

5. Em hipótese alguma serão admitidas críticas pessoais.

6. Utilize os recursos fornecidos pela Internet para a comunicação inicial da turma. Na próxima aula, dia 29 de Março, já devo ser comunicado das primeiras iniciativas da turma.

7. ATENÇÃO! Acesse o texto:

"A Rainha Sensual: Uma análise do fenômeno Xuxa".